O povo continua abandonado, mais do que era dantes; há cem anos bastava-lhe um senhor que o protegesse, hoje precisa de todo um mecanismo social que o compreenda até na sua úlcera duodenal e na sua inclinação à droga, ao sex-porno e à frustração profissional ou familiar. A multidão tornou-se complexa; não lhe basta o dispensário, os serviços de vacina contra a tuberculose, o grande hospital com câmaras de reanimação, os remédios que actuam sobre a imaginação com a sua literatura quase fraudulenta, envolvente, conselheira duma forma de passividade. O povo sofre agora de muitas mais maneiras: de angústia, de certo conhecimento de solidão, de ser ignorado no seu capricho íntimo que é ser pessoa e alma comum ao mesmo tempo.
Agustina Bessa-Luís, Dicionário Imperfeito, Guimarães Editores, Lisboa, 2008
Agustina Bessa-Luís, Dicionário Imperfeito, Guimarães Editores, Lisboa, 2008
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