Ontem à noite, depois da sua partida definitiva, fui para aquela sala do rés-do-chão que dá para o parque, fui para ali onde fico sempre no mês de junho, esse mês que inaugura o Inverno. Tinha varrido a casa, tinha limpo tudo como se fosse antes do meu funeral. Estava tudo depurado de vida, isento, vazio de sinais, e depois disse para comigo: vou começar a escrever para me curar da mentira de um amor que acaba. Tinha lavado as minhas coisas, quatro coisas, estava tudo limpo, o meu corpo, o meu cabelo, a minha roupa, e também aquilo que encerrava o todo, o corpo e a roupa, estes quartos, esta casa, este parque. E depois comecei a escrever…
Marguerite Duras, Textos Secretos, Quetzal Editores, Lisboa, 1992
* Erik Satie - Gnossienne 1
2 comentários:
Escrever poderá ser uma tentativa de limpeza. Poderá ser um ensaio de fuga para o esquecimento. Mas receio que se possa enterrar um amor que não se apaga. Pois mesmo que não nos amem… poderemos continuar a amar. E escrever será uma forma de o dizer.
Tão lindo! Tudo. Mais uma vez!
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