Talvez pudesse ouvir passos junto à porta do quarto, passos leves que estacariam enquanto a minha vida, toda a vida, ficaria suspensa. Eu existiria então vagamente, alimentado pela ciolência de uma esperança, preso à obscura respiração dessa pessoa parada. Os comboios passariam sempre. E eu estaria a pensar nas palavras do amor, naquilo que se pode dizer quando a extrema solidão nos dá um talento inconcebível. O meu talento seria o máximo talento de um homem e devia reter, apenas pela sua força silenciosa, essa pessoa defronte da porta, a poucos metros, à distância de um simples movimento caloroso. Mas nesse instante ser-me-ia revelada a essencial crueldade do espírito. Penso que desejaria somente a presença incógnita e solitária dessa pessoa atrás da porta. Ela não deveria bater, solicitar, inquirir.
Herberto Helder, Os Passos em Volta, Assírio & Alvim, 2001
*Aziza Mustafa Zadeh - Vagif's Prelude
2 comentários:
Malinazita
Fui amigo do Herberto - e seu admirador. Fico contente de o ver aqui reproduzido, num blogue que me parece muito interessante. E não tenho dúvidas de que «os comboios passariam sempre».
Portanto, inscrevi-me como teu seguidor e com muito prazer. Espero - quero... - que vás ao meu covil e faças o mesmo. Sil us plau (sff em català puríssimo...)hahahahaha
E, já agora, participa no passatempo/concurso que lá está. Obrigado
Qjs = queijinhos = beijinhos
Muito boa escolha! Para não variar :)
beijinho
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