23.4.09

(Re)leituras

UMA ESPÉCIE DE PERDA

Usamos a dois: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lençóis e linho e uma cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados, gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio. Dissemos. Fizemos.
E estendemos sempre a mão.

Apaixonei-me por Invernos, por um septeto vienense e por Verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis,
idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada,

( - o jornal dobrado, a cinza fria, o papel como um apontamento)
sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.

De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor mais intensa.
A campainha da porta era o alarme de minha alegria.

Não perdi a ti,
perdi o mundo.

Ingeborg Bachmann, in O Tempo Aprazado (tradução de Judite Berkemeier e João Barrento) , Assírio & Alvim, 1992

2 comentários:

Marta disse...

Não conhecia, Malina!

Tão lindo. Tocou-me. Tanto.

Obrigada!

Vou já na senda deste novo caminho...registei.

beijinhos

JOSÉ RIBEIRO MARTO disse...

e assim é Malina , Malina também o nome da livro d esta austríaca suicida!

_________ JRMARTO