12.5.09

Das coisas simples

*

Pastelaria

Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
— ele há tanta maneira de compor uma estante

Afinal o que importa é não ter medo:
fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria e, lá fora — ah, lá fora! — rir de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra.

Mário Cesariny, Burlescas, Teóricas e Sentimentais, Editorial Presença, 1972
* Miles Davis - Summertime

4 comentários:

JOSÉ RIBEIRO MARTO disse...

Afinal o que importa...?
è não fazer batota com a vida!
Abraço amigo
_______ JRMARTO

Marta disse...

Perfeito.Perfeito.Perfeito. Tudo :)

Malina disse...

percebeu bem as palavras(minhas...) na escrita do Cesariny. E claro: nunca fazer batota com a vida - esse o compromisso. É que ela ganha sempre:))))

beijinho

Malina disse...

e mais uma vez bem haja Marta, por se passear por aqui e nos dar o ensejo de não desistir.